sexta-feira, 20 de junho de 2008

"Fragilidade indefesa" propensa a adversidade factorial



Os três exemplos que se seguem referem-se a práticas farmacológicas de risco em crianças de tenra idade:


Facto 1: Ano de 2005, Brasil, uma paciente do sexo feminino, com 26 dias de nascimento, 4,5Kg, morre após receber, acidentalmente, 300mg do anticonvulsivante valproato de sódio; a dose inicialmente prescrita era de 30mg/Kg/dia, dividida em duas tomas.



Facto 2: Em 2007, na Etiópia, quatro crianças com menos de três anos morrem por asfixia ao ingerir comprimidos em dosagem adulta do vermífugo albendazol.

Facto 3: Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), no ano de 2005 ocorreram 84.456 casos de intoxicação humana por causas diversas, que variaram de animais peçonhentos a substâncias químicas. Desse total, 22% foram em crianças menores de cinco anos; neste grupo, os medicamentos foram os principais agentes tóxicos, com 35% dos casos.

O acto do nascimento é um dos fenómenos mais belos da nossa existência, representa o princípio de um milagre e a esperança do futuro. Para que um ser tão pequeno, frágil e inocente mantenha a sua vitalidade é necessário criar condições que lhe permitam explorar o mundo envolvente.
Este estudo prova claramente, a necessidade do controlo posológico e de administração farmacológica de crianças e recém-nascidos. Acontece que para estes seres a atenção dos profissionais de saúde deve ser redobrada, embora pareça exacerbado, o mais ínfimo erro de dosagem, aparentemente invisível e insignificante, manifestar-se-á numa adversidade folgada, por vezes fatal.


Ainda respeitando a mesma temática, para que esta "fragilidade indefesa" possa construir um futuro risonho, não poderia deixar de referir as condicionantes referentes ao uso de medicamentos off label e sem licença.
Para compreender a relevância destes factores, note-se as conlusões dos estudos que se seguem:

Num estudo realizado na Holanda foram avaliadas mais de 66 mil prescrições pediátricas atendidas em farmácias comunitárias; desse total, 20,6% foram classificadas como off label e 16,6% sem licença.
Num estudo Francês envolvendo 2.533 prescrições de medicamentos para 989 pacientes pediátricos, 29% e 4% dos fármacos prescritos estavam no status off label e sem licença,respectivamente. As prescrições off label foram categorizadas de acordo com: faixa etária (65%), indicações (23%), esquema posológico (10%) e via de administração (7%). Em São Paulo (Brasil), um levantamento prospectivo em 15 creches municipais (n = 1.382 crianças) revelou que 40,8% dos medicamentos prescritos poderiam ser classificados como uso inadequado para crianças.





De entre as faixas etárias, os pacientes com maior incidência de uso de medicamentos off label ou sem licença são os recém-nascidos.
Com relação aos medicamentos, os mais prescritos como off label foram os Analgésicos, antibacterianos e broncodilatadores.


O uso de medicamentos off label e sem licença é um recurso eventualmente necessário para garantir que pacientes pediátricos recebam o tratamento adequado. . No entanto, os pais têm a obrigação de saber que esta não é a alternativa mais eficaz e segura para os seus filhos. Todos os envolvidos, da prescrição à administração desses medicamentos, são responsáveis directos pelas consequências adversas e podem, em última instância, responder judicialmente por negligência.
É necessário ser fundamentado claramente com evidências clínicas todas as opções de tratamentos disponíveis, de modo a obedecer a aspectos éticos da prescrição.



Por vezes surgem inovações farmacoterapêuticas lançadas no mercado cuja licença de uso para crianças é inexistente.


O que acontece é que no processo de desenvolvimento dos fármacos, os estudos clínicos de fase III ( realizados no sentido de obter resultados referentes a eficácia e segurança do uso) geralmente não incluem crianças, "não só por razões éticas como também devido à dificuldade de obtenção de uma amostra homogénea e significativa, em virtude da estratificação das faixas etárias e dificuldade de conduzir um estudo durante longos períodos de tempo, nomeadamente em doenças raras".


Porém, sabendo que formulações específicas para esse grupo de doentes não estao disponíveis, (in)contestavelmente a prescrição de medicamentos utilizada de forma diferente à indicada na bula, prescrição off label, é um risco. Caso não haja evidências clínicas que comprovem a prevalência de benefícios face aos danos, esta realidade incómoda e proliferativa de severos efeitos adversos, é um buraco negro, para seres frágeis e indefesos de tenra idade.



Ainda no contexto de prescrição off label, é um exemplo:
Dinoprostona



- indicado para mulheres adultas com o objectivo de promover o esvaziamento uterino



- em doentes pediátricos com doenças cardíacas, é prescrito para manter os ductos arteriais patentes, embora não seja indicado para esta finalidade por seu fabricante.





Estudos científicos referem que "perante tais situações o risco de toxicidade aumenta claramente, sobretudo pela falta de informações adequadas e pelo uso em condições distintas daquelas que foram avaliadas nos estudos".


Farmacoterapeuticamente falando, as crianças não devem ser tratadas como "adultos pequenos", a velocidade de absorção e eliminação do medicamento no organismo, assim como a sensibilidade específica no órgão-alvo é diferente, já que está associado à maturação. Mudanças fisiológicas são as principais responsáveis pela acção farmacológica das drogas, nomeadamente, eficácia, toxicidade e regime posológico.
As crianças devem por isso, receber cuidados extras na selecção, desenvolvimento de formulações, doses, vias e métodos de administração dos medicamentos. Quando formulações apropriadas para administração de medicamentos em crianças não estiverem disponíveis no mercado, deve-se ter cautela para garantir que a melhor alternativa seja utilizada.


" Os rescém nascidos parecem ser os mais afectados, o risco de toxicidade é brutal .
A susceptibilidade de doentes pediátricos a reações adversas pode sofrer alterações durante as diversas fases do seu desenvolvimento e crescimento, nomeadamente em tratamentos crónicos. Contudo, independente da duração do tratamento, este pode resultar em reações adversas não observadas na população adulta, em virtude do processo de desenvolvimento do doente (...)

Ainda pela falta de posologia adequada ou não estabelecida, as crianças são mais propensas receber
super ou subdose do medicamento
, resultando no aumento da incidência de reações adversas do tipo A ou falta de efeito terapêutico, respectivamente. "

A utilização de medicamentos sem licença, a partir formulações extemporâneas preparadas a partir de comprimidos ou outras formas farmacêuticas, traduz outro factor de risco. Acontece que as formulações extemporâneas não têm registo, só as formas farmacêuticas usadas para a sua preparação.
Para estabelecer um melhor controlo, no que respeita segurança e qualidade do tratamento pediátrico, será possível se for tido em conta a necessidade de abordar este fenómeno cuidadosamente e especificamente pelos profissionais de saúde:




-O cálculo da dose de medicamentos em crianças deve ser bem criterioso e muitas vezes ser fundamentado no peso corporal do paciente (em Kg). Esse procedimento, se realizado de forma correcta evita muitos erros de superdosagem durante a administração .


-Por aspectos físicos, os pacientes pediátricos podem ser incapazes ou avessos a ingestão de comprimidos. Muitas vezes, os pais ou responsáveis trituram e misturam comprimido, ou o conteúdo da cápsula, com sucos, iogurtes, frutas, geleias e outros tipos de alimentos.


Este procedimento, além de alterar a estabilidade do fármaco, não dá garantias plenas de ingestão total da dose e sua disponibilidade. Os medicamentos não devem ser misturados com alimentos, salvo quando recomendado pelo fabricante.

- O uso de medicamentos em horário escolar pode ser complicado e, portanto, deve ser evitado, dando preferências a esquemas posológicos com uma ou duas doses diárias. Quando formulações apropriadas para administração de medicamentos em crianças não estiverem disponíveis no mercado, deve-se ter cautela para garantir que a melhor alternativa,preparação de formulação extemporânea ou importação, seja utilizada. A importação de um produto registado num outro país pode ser dispendiosa e demorada, inviabilizando
o tratamento.


A alternativa Manipulação magistral de medicamentos específicos face às necessidades da criança, deverá ser a primeira escolha, considerada pelos pais e prescritores como medida de segurança e eficácia. Formulações pediátricas, quando manipuladas por profissionais especializados (Técnicos de Farmácia e Farmacêuticos) e em farmácias com alto padrão laboratorial, sem dúvida, são a melhor das alternativas terapêuticas, já que o medicamento, certificado por órgãos sanitários reguladores, passa por longos processos de gestão da qualidade, facto que o garante segurança na identificação, actuação, concentração e pureza.



Pais e profissionais da saúde devem ser vigilantes na detecção de eventos adversos e erros de medicação.

As formulações extemporâneas, preparados sob a forma de manipulados devem cingir-se aos protocolos já testados e descritos na literatura, que, neste caso específico, é muito escassa.

Outros métodos de adaptação de formulações de adultos para crianças incluem diluição de preparações concentradas, partição de comprimidos , dissolução ou dispersão de comprimidos em um volume específico de água e tomando uma parte, podem ser opções, mas sempre cautelosamente executados, uma vez que a precisão da dose não é garantida. Seringas podem ser usadas como meio de assegurar a precisão das doses de formas farmacêuticas orais liquidas.




Bibliografia :




acessível pela Internet por meio do endereço: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/index.htm.

Edélcio F. Araújo Junior e Paulo F. Crepaldi
Quarta-feira - 11/06/2008 - 03h01

http://www.folhadaregiao.com.br/noticia?92893&PHPSESSID=2f1ef7915731d8f

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